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Silêncio, por favor!

The Meditation, 1867, Pierre Puvis de Chavannes

The Meditation, 1867, Pierre Puvis de Chavannes (French Symbolist Painter, 1824-1898), Oil on canvas, 41 5/8 x 20 5/8 inches (106 x 52.5 cm), Private Collection

Nossas leis estabelecem direitos inalienáveis para todos os cidadãos. Elas pressupõem que os direitos pessoais são uma espécie de propriedade do tipo mais sagrado, e que reduzir o direito de uma pessoa equivale a sujeitá-la ao arbítrio de outrem. Aqueles que pugnam por seus direitos, porém prescindem dos seus deveres, são considerados “velhacos”. Assim, para garantir direitos e estabelecer deveres existe a LEI.

Um dos direitos básicos e vitais a todo o ser humano é o descanso. Além de vital, é também um direito sagrado! Lição esta que nos foi ensinada pelo próprio Criador desde o princípio. Acrescente-se que o descanso (princípio sabático) não é apenas um direito, mas também um dever, uma das ordenanças embutidas na estrutura da Criação.

Por natureza, o ser humano necessita descansar de seus próprios trabalhos, palavras e pensamentos. E, naturalmente, para descansar necessita dormir, e para dormir precisa de SILÊNCIO. O ser humano carece de períodos de quietude a fim de que cresça em sabedoria e estatura. Este é importante para a nossa vida física, emocional e espiritual. Parece, entretanto, que quanto mais superficial for uma sociedade, tanto menos silêncio. Nesses tempos de completa superficialidade e “coisificação” (o termo seria reificação) das pessoas, estas, além de temerem o silêncio, também não têm prazer nele. A sociedade contemporânea se especializa em três coisas: velocidade, multidões e ruídos.

A poluição sonora prejudica a tranquilidade de quem deseja adormecer ou mesmo apenas descansar. E profissionais de saúde informam que a audição humana pode sofrer danos, “quando exposta a ruídos muito altos (acima de 50 decibéis) durante um período prolongado”, resultando certas vezes em deficiência auditiva permanente. O barulho constante impede o relaxamento, e à medida que vai aumentando crescem também os sintomas de stress: “entramos em estado de alerta, o organismo tenta se adequar ao ambiente, liberando endorfina, minando as defesas e aumentando ainda mais a agitação”. Isso explica porque algumas pessoas só conseguem adormecer se o rádio ou a televisão permanecerem ligados. A continuidade dessas ocorrências pode gerar problemas cardíacos, infecções e outros problemas de saúde”.

Provavelmente você já se defrontou com algumas pessoas que se julgam donas do mundo, achando que podem fazer tudo que desejam, mesmo que isso venha causar prejuízos para terceiros. Ligam suas aparelhagens de som em altos níveis, pouco se importando com ouvidos alheios. Mesmo em altas horas da noite, e entrando pela madrugada afora, ressoam decibéis por toda a vizinhança, numa demonstração de completo desrespeito ao ser humano e numa agressão às famílias ao redor. E não pense preconceituosamente que este é “um problema de pobres e ignorantes”. Estão entre os barulhentos inoportunos alguns indivíduos, aparentemente, de bom nível acadêmico e de razoável poder aquisitivo. Não se pode dizer que algumas pessoas que usam desse expediente sejam materialmente carentes, ou analfabetos, ou que nunca tiveram acesso à educação formal. Repito: temos que tomar cuidado com o preconceito aqui. Infelizmente há pessoas que julgam que o mundo pertence apenas a elas e a mais ninguém. Reclamar com pessoas assim pode ser uma experiência bastante desagradável. E a situação pode se tornar ainda mais delicada quando se tratarem de vizinhos. Pessoas inconvenientes podem prejudicar sensivelmente a qualidade de vida numa determinada vizinhança, e a reclamação de algum incomodado pode ser motivo suficiente para retaliações.

Em algumas cidades brasileiras, uma das poucas opções fora do recôndito do lar é frequentar restaurantes, bares e lanchonetes. O máximo que se tem são opções gastronômicas. E ainda bem que existem restaurantes e lanchonetes! Não obstante, alguns destes abusam em shows, música ao vivo, e karaokês, desconsiderando por completo o direito do próximo ao silêncio. Se tais restaurantes querem oferecer som e música aos seus clientes, que o façam se adequando à lei. Alguns comerciantes, regendo-se por uma lógica que leva em consideração apenas o lucro e vantagem própria, sequer cogitam se nas suas proximidades estão pessoas descansando, ou enfermos, ou bebês, ou idosos…. Nada! Aliás, deve ser dito que até algumas igrejas perderam qualquer senso de limites nesta área. Lamentável!

O que fazer quando o barulho excessivo perturba a paz e a tranquilidade? Uma primeira medida seria informar-se sobre as leis e programas que têm sido criados para combater a poluição sonora. A legislação brasileira tem tratado do assunto, desde a Constituição ao Código Penal, inclusive ao instituir o Programa Nacional de Educação e Controle de Poluição Sonora – Silêncio. Em São Paulo por exemplo, foi criado em 1994 o Programa de Silêncio Urbano (PSIU). O propósito desse programa é limitar sons ou ruídos estridentes que possam provocar o incômodo e interferir na saúde e no bem-estar das pessoas.

Trazendo o problema para situações práticas, mesmo amparada em bom conhecimento das leis, a pessoa incomodada esbarra-se com situações delicadíssimas. Se você mora em algum condomínio, provavelmente acionará o síndico. O síndico chamará a atenção do morador que está produzindo o ruído. Se o síndico não for uma pessoa discreta, então você estará numa posição bastante desconfortável. Suponha, entretanto, que o condômino inconveniente não atenda ao síndico. O que fazer? O incomodado pode pedir a ajuda da polícia, estando ciente que esta pode vir a apreender a fonte de poluição sonora. Um incidente desses pode criar um clima desagradável no condomínio, tornando a convivência posterior ao fato ainda mais difícil. Ora, se esta situação é delicada num condomínio, onde as regras de convivência costumam ser mais rígidas, então imagine a situação daqueles que não residem em condomínios.

Também assusta a passividade ou falta de iniciativa de algumas autoridades. Em muitos lugares instalou-se uma espécie de domínio do arbítrio, e o cidadão “comum” não tem sequer para quem apelar. E isso é preocupante, pois vai transformando tais lugares em feudos da força e do poder privados, e numa terra sem lei. A omissão das autoridades na aplicação da lei e na defesa dos direitos do cidadão e sua família, a falta de se ter a quem recorrer, e os temores de se sofrer retaliação ou hostilização em face à denúncia, vão impondo um silêncio (parece irônico!) conivente aos prejudicados, ao tempo em que vão inflando a prepotência e o arbítrio daqueles que desconsideram e desrespeitam os direitos mínimos do seu próximo. E enquanto as coisas não assumem um contorno diferente, as pessoas prejudicadas têm que conviver com esse estado de coisas, ficando à mercê daqueles que ignoram ou burlam a lei. Os cidadãos prejudicados, que sustentam as autoridades com seus impostos, têm, ainda mais, que conviver com a inércia delas a esse respeito.

Antes que situações desagradáveis aconteçam, um bom caminho pode ser a realização de campanhas de conscientização para que todos os moradores respeitem as leis do silêncio. Isso pode ser feito através de iniciativas em condomínios e associações de moradores, recorrendo a esclarecimentos em assembléias, folhetos distribuídos dentro das caixas de correio, panfletos em elevadores, etc. É preciso deixar claro para todos que existem regulamentações para a emissão de ruídos e que é obrigação de todos respeitá-las. O cidadão precisa informar-se e ser informado, para desempenhar melhor o seu papel na convivência social. Todos somos responsáveis.